Folclore: um jogo de 12x12...

A história da saída salomônica de um árbitro que detestava injustiça no futebol

Pressão é verbete relativamente novo no dicionário do futebol profissional. Não há quem, no campo de jogo, não se sinta oprimido, seja pela torcida, seja pela imprensa, seja pela cartolagem. A intimidação é ampla e irrestrita... Sofre o jogador, sofre o treinador, sofre o árbitro, sofre o bandeirinha.

Pergunto eu: quem padece mais com a cobrança impiedosa? Para mim, o grande vilão do futebol é o árbitro. Com todas as honras de sua soberania, o homem do apito é, longe, quem mais padece. Ninguém consegue ser mais xingado. Assim como dele é a última palavra, a ele caberá sempre receber o primeiro palavrão, antes mesmo de começar o jogo. Dizem até que, quando se dispõe a encarar um apito, a primeira providência de um juiz é encomendar a Deus a alma de sua santa mãe.

Começa pela célebre definição de juiz, consagrada pelas torcidas: "O árbitro é aquele sujeito que rouba a gente na presença da multidão e ainda vai pra casa protegido pela polícia".

Assim tem sido desde que os ingleses codificaram o futebol, no fim do século 19. Com o tempo, nada mudou. Pelo contrário, só tem piorado. O advento da televisão, com suas lentes vigilantes, contribui, dramaticamente, para desdita dessa figura patética que, antes de entrar em campo, já está condenado pelo voto unânime das arquibancadas.

Outro personagem que já divide um pouco com o árbitro os dissabores do futebol é o treinador. Conto a vocês uma história que se passou, há pouco tempo, numa cidadezinha do interior da Bahia, tendo como personagens um técnico e um juiz.

O treinador reúne a turma no vestiário e escala12: 11 e o goleiro. O capitão do time estranha. O técnico, porém, sustenta a escalação:

- Isso é o problema do juiz, o teu é jogar.

"O Pipira está com 12!" O árbitro interrompe a partida, conta os times e dá uma bronca no capitão, que, por sua vez, passa a bola pro treinador:

- Fala co home ali. O nome dele é Trancoso!

O juiz vai ao técnico e manda retirar de campo o excedente. O técnico chama o árbitro para uma conversa em particular. Saíram os dois na direção do centro do campo. A torcida, aos berros, xinga todo mundo pelo atraso.

Os dois isolados no grande círculo, o técnico pôs a mão no ombro do juiz e entra com as explicações:

- O problema é o seguinte: eu sou um homem de 50 anos e sou novo aqui na terra. Acontece que, hoje de manhã, o presidente do clube me deu um bocado de nome para eu escalar. Dois são protegidos do delegado, quatro do comandante do destacamento, o goleiro é filho do gerente do banco, o presidente diz que os dois pontas-de-lança têm que jogar de qualquer maneira. Eu fui escalando, escalando.

- É, mas passou da conta - diz o árbitro, inflexível.

- E eu não sei que passou? Ia ser pior! Por sorte, o sobrinho do prefeito amanheceu com o pé inchado e pediu para não jogar. Senão, entravam 13.

- Bom, mas, para começar o jogo, o senhor tem que tirar logo um... - diz o juiz, invocando a regra.

- Eu, tirar um? Tira o senhor. Se o senhor está dificultando, vai lá e tira um. O mais que eu posso fazer é colaborar. Por exemplo, não mexa nem o 5 e nem o 6, que dá bolo com o chefe de polícia. Agora eu já confundi tudo: não sei mais se o 8 é peixinho do comandante do destacamento ou se é o filho do gerente do banco...

O árbitro encarou o técnico do Pipira, enfiou o apito no bolso e saiu caminhando, passo firme, intrépido.

- Doze contra 11, comigo, não. Doze contra 11, só se me expulsarem da Liga.

Parou diante do banco dos reservas do Serrinha F.C. e dirigiu-se ao técnico, sentencioso:

- Carvalho, bota mais um dos teus homens em campo. Não suporto injustiça! Vai ser 12 contra 12.

E foi.

by Armando Nogueira
(Xapuri, 14 de janeiro de 1927 — Rio de Janeiro, 29 de março de 2010)


Fonte: A+ (A Revista do Lance!)
Ano 5 - Número 247 - de 28 de maio a 3 de junho de 2005

pág. 12

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